Unknown
"Não abras a boca quando mastigas!" - é o que lhe digo sempre ao jantar, e durante todos estes anos quando me apanha distraída, ele faz por arejar os dentes e o que eles mastigam. Ai... Enfim , mas eu amo-o, o que é que eu posso fazer? Burro velho não aprende línguas, mas este ao menos é um burro querido.

Acabámos de almoçar, e hoje está um dia lindo de sol, a seara que rodeia a nossa humilde casa de madeira está serena como o mar do mediterrâneo, ondula suavemente ao sabor da brisa.
Gosto desta parte do dia, depois de nos levantarmos, vou a tricotar no alpendre e vou espreitando pelo canto do olho o homem com quem partilho a minha vida há quarenta anos, a cuidar das flores que todos os anos faz brotar com tanto carinho.
Ao princípio quando lhe deu para a jardinagem e decidiu fazer um mar de flores que que se estenderia até à portinhola, coitadinhas das flores (risos) nenhuma brotava! Nunca diria que ele viria a ser um talentoso pintor impressionista da natureza (adoro ver as flores sem óculos, faz-me lembrar um quadro de Monet). De quando em vez, enquanto acaricia um ramo de Alfazema ou umas Margaridas, cruza os olhos com os meus, e faz-me lembrar que ainda somos namorados.

Apesar de termos diminuído de tamanho e os nossos cabelos terem ficado da cor das nuvens, apesar de andarmos mais devagar e as rugas terem tomado conta da nossa expressão; dormimos abraçados todas as noites, comemos sempre a sobremesa a meias, lemos juntos por baixo do maior sobreiro do nosso pequeno monte coberto de seara, temos crises de ciúmes, damos beijos na boca como nos filmes, e mais ainda que na flor da idade, amamos-nos com toda a sabedoria que a velhice traz.
Estamos agora por baixo do sobreiro a ler. Está um fim de tarde de sonho.

- Hoje podemos ficar aqui a ver as estrelas?
- Estás muito romântica hoje. Queria ir para dentro tratar do coelho que apanhei à bocado.
- Não... Fazes isso depois. Vá lá, não vemos as estrelas aqui há tanto tempo!
- Ai... Tu nunca hás-de mudar pois não? Hás-de ter sempre 19 anos. - com um sorriso ternurento levanta-se e tira o casaco para pôr nos ombros da sua eterna namorada.

***

Passados quinze minutos, ele adormeceu no ombro dela, e roncava baixinho. Ela riu-se e tornou a olhar para o céu. Viu uma estrela cadente a deslizar no profundo azul da noite estrelada. Fechou os olhos e pediu para nunca nenhum dos dois ficar só, pediu para irem os dois juntos quando for hora de não acordar nunca mais.
Passado um pouco foram para dentro jantar enquanto ouviam Benny Goodman no gramofone.

Na semana seguinte, depois de dois copos de leite fresco e pão com compota de tomate feita pelos netos na escola, foram ler para debaixo do sobreiro aproveitando a luz do sol que ainda ardia com calor.
No crepúsculo os dois adormeceram com as cabeças encostadas e sonharam eternamente. Sonharam eternamente por baixo do sobreiro, o maior sobreiro do monte coberto de cabelo dourado que abana ao sabor do vento.
1 Response
  1. inês Says:

    In Latin [mythology] the twins are also known as the Gemini or Castores. When Castor was killed, Pollux asked Zeus to let him share his own immortality with his twin to keep them together, and they were transformed into the constellation Gemini. The pair were regarded as the patrons of sailors, to whom they appeared as St. Elmo's fire, and were also associated with horsemanship.
    (wiki)

    <3 que continho enternecedor.